Crónica de Jorge C Ferreira
O nevoeiro e o futuro
Pontes suspensas, pontes levadiças, pontes para o nada, pontes para o além. O nevoeiro que não nos deixa ver o fim de tudo, o princípio de nada. Grandes são as montanhas que não alcançamos. Revoltos os rios que nos separam e aproximam. Caminhos para a ternura e caminhos para a loucura.
De repente, estamos suspensos sobre um vazio que seráfico nos contempla. O nevoeiro que nos invade. Tememos ficar, em breve, sem saber onde estamos. Há já quem reze por ele e por todos. A suspeita de uma tragédia provoca choros. Entramos numa ponte e perdemos a razão. Deixamos de saber para que lado caminhar. O nevoeiro intensifica-se. Ouve-se o rio a correr. Ouvem-se os gemidos das margens cansadas. Estamos sentados perto um dos outros e mexemo-nos o menos possível. Vamos esperar que o Sol nos ilumine. É como se estivéssemos no fundo de uma mina sem saber da saída.
O nevoeiro foi-se dissipando enquanto o tempo clareou. Respirámos e percorremos o que faltava da ponte para chegar à vida da cidade. Foi a vida que enxergámos. Foi a vida em que acordámos mais claros e a esperança se renovou. Muitas estórias se contaram e muita coisa se inventou logo ali. Teria sido sonhado? É a liberdade que a criatividade nos dá.
Sonho com as sete colinas da minha cidade, ligadas por pontes pedestres, suspensas ou não. Lembro-me da ponte dos patos no jardim da terra onde vivo. Estou a milhares de quilómetros de distância e estou sempre com as terras da minha vida a povoarem-me a mente. Vejo e tento compreender as pessoas nas suas diferenças, a sua cultura, a sua maneira de estar, o seu modo de se alimentar. Vejo as crianças que correm nas ruas, como eu corria no tempo da minha infância.
E se de repente, o nevoeiro se instalasse para sempre na nossa vida, parecendo que o sol tinha deixado de nos iluminar? Uma quase cegueira permanente. Como seria a nossa vida? Um nevoeiro cada vez mais cerrado. Como se dizia antigamente: “não se vê um palmo à frente do nariz!” Muitas vezes, não encontramos a saída para a vida, é aí que estas ideias nos vêm mais à cabeça. É aí que, parece que, o nevoeiro nos entorpece, uma cegueira lenta, que contrasta com as manhãs claras.
Também há nevoeiro de ideias. Quando tudo se torna fútil e as discussões inconclusivas. Quando todos falam e ninguém os ouve. O rame-rame da baixa política, o jogo rasteiro, uma espécie de futebol sem bola. O jogo eternamente perdido. As camisolas por suar. Não ter nada para correr atrás. Perder o jeito de pontapear algo. As balizas sem redes. As traves sem postes. Um guarda-redes despedido.
Vamos procurar acordar. Saber que existe um futuro com que podemos sonhar. Já vi muitas manhãs únicas. Manhãs com sabor a vida. Manhãs despojadas do desnecessário. Manhãs lindas como seios de mulheres. As ruas cheias de poetas, poesia e pintores. Uma cidade museu. Um ar que apetece respirar. Caminhamos como num sonho. Ultrapassamos o medo e os dissabores. Procuramos o novo. Atenção, pode ser já amanhã.
Esperança.
«Tu estás a ficar apanhado de todo. O que escreveste para aqui!»
Fala da Isaurinda.
«Apenas a busca de um sentido para a vida. Sair do tal nevoeiro.»
Respondo.
«Não me convences, vou estar de olho em ti.»
De novo Isaurinda, e vai, uma sonora gargalhada.
Jorge C Ferreira Outubro/2024(451)
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Obrigado Eulália. Este nevoeiro não será eterno. Vamos acreditar nas manhãs claras. É sempte reconfortante a sua presença, os seus comentários. A minha enorme gratidão. Abraço enorme
Teimo em acreditar que no nevoeiro se vislumbra a luz que torna noites especiais. Receio a permanência. Venham sempre os Poetas, Poesia e Pintores.
Fazes rir a Isaurinda. Tão lindo.
Muito obrigada pela excelente crónica. Abraço meu Amigo de há muito tempo.
Obrigado Regina. É do nevoeiro que apecem muitas coisas. Que bom estares aqui. A minha gratidão. Abraço imenso.
Excelente. O nevoeiro que tomou conta das nossas vidas. Nevoeiro de ideias, pensamentos, ações. Tão perto e tão distantes. Memórias de uma vida em que o sol rompia as madrugadas. Vamos acreditar que o sol voltará a brilhar. Que as ruas se vão encher de poetas, poesia e pintores.
Obrigada Amigo pela beleza da sua escrita.
Grande abraço.
Sabe como eu adoro o que maravilhosamente escreve, meu amigo.
Raramente esquece a palavra, esperança!
Quem me dera que fosse já amanhã, que eu visse as “ruas cheias de poetas, poesia e pintores.”
Mas tenho medo, que o nevoeiro teime em ficar.
Se acabem, as manhãs únicas de sol radioso que ilumina a nossa cidade.
Gostei tanto, meu querido amigo! Continue a fazer-nos sonhar com a beleza das suas palavras, sempre doces e assertivas.
Abraço grande.
Obrigado, Maria Luiza. Sempre um brilho especial nos seus comentários. Amiga generosa. Vamos acreditar nos dias de sol radioso. A minha imensa gratidão. Abraço grande.
“Sair do nevoeiro” … comentas e muito bem perante uma questão de Isaurinda.
Belo recanto das tuas memórias do ontem, que corajosamente destacas hoje, em momentos apelativos de leituras nunca perdidas.
Momentos bem documentados, como a história do “guarda redes despedido” , e o sonho de um caminhar em ruas de “poetas, poesia e pintores”.
Telas da tua criatividade apaixonantes, que desafias hoje, e eu quero continuar a sorrir de agrado amanhã … sempre!
Amigo que muito estimo e admiro, nunca pares!
Grande abraço!
Obrigado, José Luís, Amigo, Poeta. Sempre perfeitos os teus comentários. Fazem bem à alma. Dissipam nevoeiros. Muitíssimo grato. Abraço forte.
Um belo texto que, tal qual D. Sebastião, emergiu do nevoeiro.
Destaco o final, de verde colorido, pleno de esperança…
Aquele abraço 🙂
Obrigado Jorge Manuel Pereira Palha. Que bom estar neste espaço. Depois falou do menino Rei, que esteve sempre na minha memória enqunto escrevi o texto. Muito grato. Abraço forte